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J. C. Fantin

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Ébany & Eu

Ilustração - Texto poético
Você se lembra, Ébany?

Lembra de quando foi carregada para minha casa aos dois meses de idade, silenciosa e apática ao mundo à sua volta, até tirar um pequeno cochilo e, depois de se recuperar da separação de sua mãe, nos mostrar o que é um labrador cheio de energia? Lembra de quando eu te ensinei a sentar e ficar? “Senta, fica!”, uns cinco passos para trás, espera e espera, eu me abaixo e você vem correndo para os meus braços receber seu petisco? Lembra da bolinha, Ébany? DA BOLINHA! Eu jogava naquele nosso grande gramado e você ia pegar mais rápido que uma flecha. Lembra de como eu te ensinei a devolver a bolinha depois, usando minha técnica de ler revistas? Lembra de como achávamos insuportável, mas extremamente fofo, quando você pegou o hábito de largar sua bolinha ao lado de toda santa pessoa que sentava no sofá, nas cadeiras da casa, no chão, com a esperança de que brincassem com você? Lembra de como você se sentava silenciosa, esperançosa e gulosa ao lado da mesa na hora do almoço ou jantar, implorando que jogássemos algum pedacinho de sei lá o quê para você? Lembra de como você babava e nos subornava com aqueles seus olhinhos marronzinhos? Lembra de como você chorava alto sempre que, após horas sozinha, via à distância o portão se abrindo e algum de nós da família chegando? Lembra de como você vinha correndo rápido pra nos receber, eufórica, “ai minha ração, pensei que vocês nunca iam voltar!”, e então começava a se mijar aos nossos pés? Ou mesmo quando você vinha correndo e se mijando ao mesmo tempo? Lembra de quando pedíamos para você buscar o jornal e voltava com ele todo rasgado e babado? Lembra dos meus passeios com você? Dos longos passeios onde eu te levava para lugares cada vez mais inexplorados? Do nosso bairro que a gente explorou por inteiro, poderíamos fazer até um mapa? Lembra que a gente dava um nome para todos os lugarzinhos isolados onde parávamos para descansar? “O desvio”, “os Campos Bruxos”, “o Lugar Secreto”, “o Terreno Baldio”? Lembra da praia, do seu medo incompreensível das ondas do mar e sua paixão pelo riozinho? Lembra dos seus oito filhotes, os seis pretinhos e dois caramelos? Lembra do nome que demos para cada um deles antes de serem adotados? Eu mesmo não me lembro. Mas lembra também de como você ficava zonza quando dávamos Dramin pra você não enjoar nas viagens pra praia, quando ficava sobre os meus pés no banco da frente do carro? Lembra da sua estranha mania de subir na minha cama quando a porta batia, do seu pavor por fogos de artifício, dos milhões de apelidos loucos que já demos a você?



Você não precisa responder nada. Eu sei que você se lembra de tudo. Todos os momentos maravilhosos e felizes que eu passei com você jamais serão perdidos. Mas eu realmente não sei se você sabe de algumas coisas sobre você mesma, ou sobre nós, se elas importam pra você que só queria amar e trazer seu amor pra gente.

Você sabia, Ébany? Sabia que você era o meu super poderoso “radar” em nossos passeios, me alertando de qualquer perigo? Sabia que eu confiava na sua proteção ao meu lado? Sabia que você já é avó? Sabia que você já salvou a minha vida nas duas vezes em que tentei cometer suicídio quando eu era adolescente? Que eu, ao olhar pra você e entender que você estava ali para me animar e me amar, vi que ainda havia esperança de felicidade na minha vida? Sabia que você era uma psicóloga melhor do que qualquer psicólogo poderia ser para mim? Sabia que eu poderia te cuidar, da mesma forma que te cuidei nos seus últimos dias, por meses ou anos ou até o fim da minha própria vida, só para eu te sentir perto de mim por mais tempo? Sabia que eu te amei, ainda te amo e sempre te amarei do mesmo jeito de cachorro que você me ama?

Eu vi você crescer. Vi você evoluir de filhotinha para adolescente rebelde, depois para adulta gorduxinha, depois para mãe, depois para companheira de passeios e depois para senhorinha calma na casa da minha nona. Mas você também me viu crescer. Viu eu me tornar de adolescente frustrado para adulto incompreendido, depois para escritor novato, depois para artista sonhador e então para seu cuidador, aquele que te deu suquinho com remédios pela seringa e escovou seus pelos.

Menina, passamos por muitas coisas nesses quase quinze anos. Minha preta, mijona, gorduxa e orelhuda, você foi parte integral de meu crescimento. Você foi eu, de alguma forma. Calma, tranquila, querida, forte, determinada a subir aqueles morros de asfalto embaixo do sol quente, linda por dentro e por fora. Você me ensinou a abraçar, você me ensinou a ser mais cachorro e menos gente, você me mostrou que há como tirar felicidade de um olhar tristonho. Você é, Ébany, tudo isso e mais um pouco. Foi triste chorar sobre seu corpo duro e frio no final da história, mas foi extremamente radiante cada momento antes disso.

Prometo que aí, no céu dos cachorros, terá carne quentinha e feita na hora só pra você o tempo todo. Terá a nossa máquina dos sonhos, a máquina jogadora de bolinhas, funcionando a todo vapor. Muita água pra você tomar e se refrescar, também. Uma cama gigante pra você dormir e roncar alto. Muitos outros cachorros para brincar. Infinitas terras para passear sem coleira. Não terá eu (ainda), mas terá uma mão mágica te dando o carinho na orelha que você adora quando você quiser.

Você era como uma madrugada, escura e serena. E agora que você se foi, vejo um nascer de sol, um novo horizonte. Vou seguir em frente e, quando nos vermos novamente, irei te contar tudo. Passeando. Parando para descansar no pôr-do-sol, o momento mágico que adorávamos deslumbrar em silêncio. Amando cada momento com você de novo. E depois, brincarei de bolinha mais um pouco com você. No final, estaremos deitados na grama, felizes. Você e eu. Ébany & Eu.


J. C. Fantin
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Um comentário :

  1. Naoki-san1 de março de 2021 às 15:06

    O meu Deus, Adeus Ébany :,(
    F no Chat mano.

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